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No último dia 23/03/21, ao final do julgamento da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, após o resultado do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, reconhecendo a suspeição do ex-juiz federal Sérgio Moro, o ministro Gilmar Mendes, visivelmente emocionado, elogiou o trabalho do advogado Cristiano Zanin, que defende o ex-presidente, e, na pessoa dele (advogado), fez uma homenagem à advocacia brasileira.


Eu me senti representado pelo advogado Cristiano Zanin e alcançado pela homenagem do ministro Gilmar Mendes.
Esse caso do ex-presidente Lula me fez lembrar de um em que atuei a convite do meu amigo Iriel Batista numa comarca do interior do Pará.


O ano era 2011. O Ministério Público do Pará, em verdadeira parceria com os juízes da comarca, deflagrou uma operação para, segundo eles, desbaratar uma “organização criminosa” voltada para a prática de inúmeros crimes.


Ao todo eram 29 acusados. A denúncia foi desmembrada por núcleos. Eu e o Dr. Iriel Batista defendíamos o acusado J.C.A. que ficou em autos separados com mais 11 (onze) acusados.

Havia um verdadeiro conluio entre os acusadores e os juízes do caso, especialmente o juiz titular da vara em que tramitou o inquérito policial e que deferiu as medidas cautelares, entre as quais interceptações telefônicas e busca e apreensão, além de mandados de prisão preventiva.


Fizemos uma verdadeira investigação defensiva. Conseguimos provar que o juiz titular, juntamente com o Promotor de Justiça titular da Promotoria responsável pelo caso, eram amigos íntimos. Combinaram férias no mesmo período e viajaram juntos com suas respectivas famílias para os Estados Unidos.


Diante desse fato, opusemos uma exceção de suspeição. Para salvarem o processo e as provas, eles se afastaram do caso, alegando motivo de foro íntimo.


O Tribunal de Justiça do Pará designou 3 (três) juízes para atuarem no caso. O Ministério Público do Pará também designou 3 (três) Promotores de Justiça. Criaram um verdadeiro “tribunal de exceção”, violando o princípio do juiz natural – e do promotor natural.


O juiz auxiliar, que ficou no lugar do juiz titular, recebeu a denúncia e, no mesmo ato, designou audiência de instrução e julgamento para o acusado e os 11 (onze) corréus. Quando chegou o dia da audiência, havia acusados que ainda estavam com o prazo aberto para apresentar resposta à acusação, sendo certo que o juiz auxiliar e seus dois outros juízes auxiliares sequer tinham analisado o conteúdo das defesas já apresentadas.Na véspera da audiência, quando estávamos na Delegacia de Polícia, eu, o Dr. Irie Batista e outros colegas para falarmos com os acusados presos – pasmem! – o juiz auxiliar, acompanhado dos 3 (três) Promotores do caso, chegou lá e deu uma ordem verbal à Delegada de Polícia plantonista para não deixar que nós falássemos com os acusados.

Nessa hora, eu vi a postura intimorata do Dr. Iriel Batista, que arrostou o abuso de autoridade praticado naquele momento pelo juiz auxiliar que faria a audiência no dia seguinte.


Esse mesmo juiz era testemunha do juiz titular na exceção de suspeição que opusemos e tramitava no Tribunal de Justiça do Pará.
Diante desse cerceamento de defesa e percebendo que também o juiz auxiliar estava combinado com os acusadores, opusemos contra ele uma exceção de incompatibilidade, com fulcro no art. 112 do Código de Processo Penal.

No dia da audiência, o juiz auxiliar, ao verificar que ainda havia acusados com prazo de defesa aberto, para não adiar o ato ou desmembrar o processo, instou o Dr. Hamilton Cotelesse, advogado desses acusados, a – acreditem se quiserem – apresentar uma resposta à acusação oral, oportunidade em que, fazendo uso da palavra “pela ordem”, eu adverti que não existia no procedimento daquele processo a resposta oral. A resposta deveria ser escrita.


O Dr. Hamilton se recusou a apresentar resposta oral e registrou na ata da audiência que não teve acesso aos autos, o que o impossibilitava de apresentar até mesmo uma resposta escrita naquele momento.

Então – só acredito porque, como diria Juca Pirama (personagem da novela global “O Salvador da Pátria”), “meninos, eu vi” – o juiz auxiliar solicitou que o defensor público que defendia outros acusados apresentasse uma resposta oral em favor dos acusados defendidos pelo Dr. Hamilton.


Nesse momento, o Dr. Hamilton alertou seus constituintes para que dissessem que não aceitariam a imposição de nomeação da Defensoria Pública. Diante dessa manifestação dos acusados, o defensor público recuou e não apresentou a resposta oral pretendida pelo juiz auxiliar presidente a audiência.


De qualquer forma, o juiz auxiliar resolveu levar adiante a audiência, mesmo tendo acusados sem resposta à acusação apresentada e com prazo aberto. Parece que ele tinha seu próprio Código de Processo Penal.

A audiência foi tensa e longa, durando 4 (quatro) dias. No primeiro dia, foi presidida pelo juiz auxiliar; no outro, foi presidida por uma juíza e, nos dois últimos, por um juiz especialmente designados.


Depois, nós entendemos o motivo da pressa e do atropelo processual comandado pelo juiz auxiliar: a transferência do nosso cliente e mais outros dois para uma penitenciária federal. No dia após o encerramento da audiência, eles foram transferidos.

Enquanto se aguardavam diligências que o último juiz da audiência deferiu – um magistrado que nos pereceu equidistante das partes -, impetrei 11 (onze) habeas corpus para 11 (onze) acusados diferentes, pretendendo o reconhecimento da incompetência material da vara local, tendo em vista que o caso tratava de suposta organização criminosa, crime esse de competência privativa de uma vara especializada da comarca de Belém/PA.


Na época, não havia no Regimento Interno do Tribunal a prevenção, pelo que cada habeas corpus foi distribuído um Desembargador diferente.

Vários desses habeas corpus foram denegados. Todavia, um foi concedido, o que beneficiou todos os acusados, pois o processo passou a tramitar na vara especializada em Belém/PA.


Quando os autos do processo chegaram a essa vara, quem respondia por ela era o brilhante e corajoso juiz Flávio Sanches Leão, que, reconhecendo excesso de prazo na prisão – já se havia passado mais de um ano – relaxou a prisão do nosso cliente e estendeu sua decisão a todos os acusados.

Ah, nesse processo ainda opusemos uma exceção de ilegitimidade passiva ad causam em favor de uma acusada que, quando começou a ser investigada, era menor de idade.


Também impetramos no tribunal estadual um habeas corpus para reconhecer a ilicitude da interceptação telefônica entre o acusado e sua filha, uma colega advogada. A ordem foi denegada. Recorremos ao Superior Tribunal de Justiça por meio outro habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Até hoje, aguardamos julgamento.

Registro que atuaram na defesa de outros acusados grandes causídicos, destacando-se na minha memória os advogados ARTHUR ARRUDA e HILÁRIO MONTEIRO JÚNIOR com os quais aprendi muito da arte de advogar na seara criminal.


Atualmente – acreditem -, os autos do processo ainda estão na fase inicial, aguardando a apresentação de respostas à acusação, pois nem todos os acusados a tinham apresentado à época.


Só quem já teve – ou tem – a desdita de sofrer uma persecução – ou perseguição – criminal sabe o valor e a importância de uma defesa combativa.

Este post tem 3 comentários

  1. Nicolau Pandolfo

    Que impressionante história de arbitrariedade judicial combatida com inteligência, estratégia e conhecimento técnico jurídico. Você é fonte de inspiração para muitos advogados. Parabéns Dr. César!

  2. Alex Noronha

    Fonte de inspiração à classe dos advogados e defensores. Uma defesa combativa no processo penal é tão imprescindível quanto a própria jurisdição. Receba meus parabéns Dr. César.

  3. Iriel Batista

    Tenho orgulho da amizade e de todo aprendizado jurídico que venho desfrutando ao longo dos anos. Parabéns Dr. César Ramos, Deus abençoe mais e mais.

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