• Autor do post:
Você está visualizando atualmente <strong>O “IGREJISMO”</strong>

Durante a Primeira República (1898-1930), surgiu no Brasil um fenômeno chamado “coronelismo”, assim entendido – de forma bem simples – como uma prática existente no meio rural em que o “coronel”, que detinha o poder econômico, indicava em quem as pessoas sob o seu poder deveriam votar. Essa prática criou o que se convencionou chamar de “curral eleitoral” e o “voto de cabresto”.

Havia, por assim dizer, um cenário de abuso de poder econômico e político por parte do “coronel”. Ninguém ganharia uma eleição municipal, por exemplo, se não fosse com o apoio dele.

Esse fenômeno atravessou gerações e parece que só foi defenestrado – pelo menos explicitamente – do contexto eleitoral brasileiro com o advento da Lei n. 9.504/1997 (Lei das Eleições) e da Lei Complementar n. 64/1990 (com a redação que lhe foi dada pela LC 135/2010). 

Com efeito, a Lei 9.504/1997, em seu art. 25, estabelece:

“Art 25. O partido que descumprir as normas referentes à arrecadação e aplicação de recursos fixadas nesta Lei perderá o direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário do ano seguinte, sem prejuízo de responderem os candidatos beneficiados por abuso do poder econômico” (grifo nosso).

Por sua vez, a Lei Complementar 64/1990, em seu art. 1º, preconiza:

“Art. 1º São inelegíveis:

 I – para qualquer cargo:

[…]

d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes;       (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)” (grifo nosso).

Como se vê, o abuso do poder econômico e político constitui causa de inelegibilidade por 8 (oito) anos.

A vedação de condutas caracterizadoras de abuso do poder econômico e político visa a manter a lisura, a legalidade e a legitimidade do processo eleitoral, de modo que o eleitor possa exercer livremente seu sagrado direito de votar no candidato de sua preferência.

Até aí, tudo bem.

Ocorre que, ao lado do abuso do poder econômico e político, existe um outro poder capaz de viciar o processo eleitoral e atingir no âmago da democracia. Trata-se do “poder religioso” cujo exercício, no contexto das eleições, configura um fenômeno tal qual o “coronelismo” e que vou batizar aqui de “IGREJISMO”.

Deveras, tenho visto cada vez mais a “institucionalização” de candidaturas por parte de “líderes” religiosos.

O que se observa – e se sabe – é que, em época de convenções eleitorais, “líderes” religiosos são procurados por quase todos os pré-candidatos em busca não apenas de apoio – o que é absolutamente normal -, mas de uma – insisto – “institucionalização” de sua candidatura.

Outrossim, observo que:

a) “líderes” religiosos barganham as condições do apoio a certos candidatos;

b) candidatos a cargos majoritários escolhem o vice ligado a uma congregação religiosa de olho no voto dos “fiéis”; e

c) algumas igrejas se tornaram “curral eleitoral” do candidato institucionalizado pelo “líder” religioso. 

É um quadro de inegável abuso do poder religioso, que ainda não foi reconhecido pela Justiça Eleitoral brasileira como uma espécie de abuso de poder econômico ou político.

Sendo assim, é necessário, oportuno e conveniente que o legislador brasileiro altere a legislação eleitoral para incluir como conduta vedada sujeita à cassação da candidatura ou do mandato, além da inelegibilidade, o abuso do poder religioso.

Afinal, se já superamos o “coronelismo”, precisamos, em defesa da democracia, superar também o “IGREJISMO”.

Se você é um cristão esclarecido, fique atento quando seu “líder” religioso aparecer pedindo voto – ou sugerindo – para algum candidato. Correndo o risco de ser leviano, posso afirmar que ele não o faz para ir para o céu. Não! Fatores inefáveis certamente foram a razão dessa conduta.

Cristão esclarecido vota consciente, sem amarras, sem se deixar influenciar decisivamente por seu “líder”.

É o que penso – mas posso estar errado.

Este post tem 2 comentários

  1. Lucas

    Creio que mais urgente e necessário, em nome da democracia, é resolver problema semelhante que ocorre nas escolas, faculdades, diretórios acadêmicos, dentre outros espaços, onde se forma um verdadeiro curral eleitoral, sem pensamento crítico, a favor de candidatos ou determinadas agendas. Não raro, há professores que declaram que seu papel é formar militantes, não estudantes, em evidente abuso de poder em razão de sua posição privilegiada. Infelizmente, qualquer proposta legislativa que vise a coibir isso não agrada os detentores do poder, como já vimos no passado.

  2. Elykarla

    Excelente!

Deixe um comentário