No dia 29/10/2019, publiquei um texto sobre a necessidade dos tribunais voltarem a admitir o habeas corpus como substitutivo de recurso quando a questão nele debatida tratar de prisão cumprida ou decretada, quando puder ser analisada sem maiores incursões sobre fatos e provas ou quando se tratar de nulidades processuais.
Hoje, quero falar sobre o uso desse remédio heroico no âmbito da execução penal.
Pois bem. A Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) prevê, em seu art. 197, que “das decisões proferidas pelo Juiz caberá recurso de agravo, sem efeito suspensivo”.
Daí a pergunta que não quer calar: é cabível habeas corpus em matéria de execução penal?
Os tribunais pátrios, na esteira do decidido no HC no. 109956/PR, julgado da primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) sob a relatoria do ministro Marco Aurélio, não têm admitido o habeas corpus contra decisão oriundo de juízo da execução.
Na minha visão – mas posso estar errado -, há casos em que é possível, manejar o habeas corpus e casos que só podem ser analisados pelo tribunal via agravo. Explico.
Imaginemos que um condenado que cumpre pena em regime fechado já esteja prestes a completar tempo para progredir de regime prisional. Aí lhe sobrevém uma nova sentença condenatória transitada em julgado. O juízo da execução procede à unificação da pena e estabelece nova data-base para a progressão do regime. Insatisfeito, o condenado, por seu advogado, impugna o cálculo e pede que o juiz considera uma data base mais favorável. Esse pedido é indeferido pelo juízo executor.
A meu pensar – mas posso estar errado -, a decisão do juiz da execução nessa hipótese só pode ser atacada por via do agravo. Isso porque, certamente, demandará a análise da fatos controversos e cotejo de provas, o que é vedado na via do habeas corpus.
Ademais, o benefício pretendido (correção do cálculo e fixação de data-base para fins de progressão) não demanda urgência na sua análise, já que o condenado ainda terá tempo a cumprir para poder progredir de regime. Em outras palavras, ele não será beneficiado imediatamente com a progressão de regime.
Agora imaginemos outra hipótese.
O condenado o é em regime prisional semiaberto. Porém, na cidade em que foi cometido o crime e na qual ele mora, bem como nas cidades próximas, não há estabelecimento prisional com esse regime. Por isso, ele é transferido para um estabelecimento adequado muito distante de sua residência e de sua família. Então, com base na súmula vinculante 56 do STF, seu advogado pede ao juízo da execução que ele fique em prisão domiciliar na sua cidade, onde tem família, trabalho e estuda. O juiz indefere esse pleito.
Nessa hipótese, penso – mas posso estar errado – que a decisão pode ser atacada pelo habeas corpus. E três são as razões desse meu pensamento.
A primeira razão consiste em que o fato a ser analisado é incontroverso: a falta de estabelecimento adequado na comarca da condenação e na região.
A segunda razão é que a questão ventilada consiste apenas em se decidir se a falta de estabelecimento prisional de regime semiaberto na comarca ou na região circunvizinha confere ao condenado o direito à prisão domiciliar, nos termos da súmula vinculante do 56 do STF, que tem este teor:
A terceira razão decorre do fato de que o agravo em execução demora, para ser generoso, cerca de 30 (trinta) dias para ser encaminhado ao tribunal e, não raro, ainda o é com ausência de documentos importantes, o que acaba atrasando o julgamento.
Nesse cenário, se manejar o agravo, o condenado, que pode ter reconhecido o direito de cumprir pena em prisão domiciliar, sofrerá prejuízo com a demora no julgamento. Logo, é possível valer-se do habeas corpus.
Portanto, tratando-se de execução penal, entendo ser cabível o habeas corpus quando: a) o fato jurígeno for incontroverso; b) a análise da questão dispensar cotejo de provas; e c) a interposição de agravo implicar prejuízo ao condenado, devido à demora na tramitação e julgamento desse recurso.
Por César Ramos, advogado criminalista e membro-fundador do Instituto Paraense do Direito de Defesa – IPDD