Como é cediço, a Constituição Federal contemplou em seu conjunto normativo o princípio da presunção de inocência – ou do estado de inocência ou da não-culpabilidade. Fê-lo no art. 5º, LVII, com esta redação:
“Art. 5º, LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”
Desse princípio dimana a regra de tratamento segundo a qual toda pessoa acusada criminalmente deve ser presumida inocente e tratada como tal até que seja definitivamente condenada por decisão transitada em julgado.
Uma das grandes questões que envolve a presunção de inocência diz respeito à incompatibilidade ou não da prisão preventiva ou de medidas cautelares pessoais a pessoas acusadas. Isso porque seria incompreensível impor prisão ou medidas cautelares a quem é presumido inocente.
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já pacificaram o entendimento de que a prisão preventiva e as medidas cautelares diversas da prisão não são incompatíveis com presunção de inocência quando a aplicação de uma ou de outras é concretamente necessária para a garantia da ordem pública ou econômica, da conveniência da instrução criminal e da aplicação da lei penal, conforme previsto nos art. 312 e 282, I e II, ambos do CPP.
Antes do advento da Lei n. 12.403/2011, a ordem pública ou econômica, a conveniência da instrução criminal e a aplicação da lei penal só eram garantidas por meio da prisão preventiva. A partir dessa lei, o ordenamento jurídico passou a contar com 9 (nove) medidas cautelares diversas da prisão preventiva, as quais podem cumprir, com menor agressividade ao status libertatis, a mesma função da prisão preventiva.
Entre essas medidas cautelares está a monitoração eletrônica (ou monitoramento eletrônico), elencada no art. 319, IX, do CPP, in verbis:
“Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:
[…]
IX – monitoração eletrônica.”
O monitoramento eletrônico – termo usual no meio forense – consiste na instalação de uma tornozeleira eletrônica na pessoa sob essa medida. Esse aparelho permite que às Secretarias de Administração Penitenciária – ou órgãos responsáveis pelo sistema penal – possam acompanhar toda a movimentação da pessoa monitorada, de modo a garantir o cumprimento da decisão judicial que a aplicou.
Pois bem. A meu pensar – mas posso estar errado -, não existe nenhuma outra medida cautelar diversa da prisão mais agressiva à presunção de inocência do que o monitoramento eletrônico. Isso porque toda pessoa que está sob essa medida acaba vivendo sob o “juízo moral de culpabilidade”.
Com efeito, as pessoas em geral, quando veem alguém com uma tornozeleira eletrônica, dificilmente pensam que aquela pessoa é presumida inocente ou que está sendo vítima de uma injustiça do sistema de (in)justiça criminal. Não! O que vem à cabeça das pessoas é um irrecusável juízo moral de condenação.
E tem mais. A pessoa com uma tornozeleira eletrônica é presumida culpada e, não raras vezes, tratada como tal.
Além de tisnar a presunção de inocência, o monitoramento eletrônico por meio da tornozeleira eletrônica entra em rota de colisão com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, que constitui um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (CF, art. 1º, III).
Deveras, a pessoa que está com uma tornozeleira eletrônica vive numa perene situação vexatória, sofrendo muitos constrangimentos, alguns que se expressam indisfarçavelmente pelo olhar das pessoas.
Nesse cenário vexatório, quem está sob monitoramento eletrônico tem muita dificuldade para, v.g., conseguir um emprego, pois dificilmente encontrará um empregador com sensibilidade para entender que a tornozeleira não lhe retira a capacidade laboral e a não afasta a presunção de inocência.
Exatamente por potencializar uma agressão à dignidade da pessoa humana é que os juízes criminais deveriam ter o maior cuidado antes de determinarem a aplicação de monitoramento eletrônico a uma pessoa presumida inocente. Essa medida deve ser reservada para casos realmente excepcionais.
O que não se justifica é a aplicação automática do monitoramento eletrônico sempre que a prisão preventiva é revogada ou substituída por medidas cautelares diversas.
A meu sentir – mas posso estar errado -, o monitoramento eletrônico, para ser legal e legítimo, tem que cumprir uma missão processual, qual seja, garantir a eficácia ou o cumprimento de outras medidas cautelares. Sem isso, estar-se-á criando uma situação constrangedora que afronta a presunção de inocência e vitupera a dignidade da pessoa humana.
Por César Ramos, advogado criminalista e membro-fundador do Instituto Paraense do Direito de Defesa – IPDD