Apesar da jurisprudência defensiva dos Tribunais Superiores, eu insisto em usar o habeas corpus substitutivo do recurso ordinário. A razão maior é a celeridade na impetração e na tramitação;
Com efeito, raramente manuseio o recurso ordinário em habeas corpus (RHC). Só o faço quando a matéria não é prisão cumprida ou decretada, conforme tem sido admitido pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal.
Pois bem. Eu impetrei um HC no Tribunal de Justiça do Pará (TJPA). A ordem foi denegada. Como a matéria não trata de prisão, interpus o RHC.
Devido a pandemia, não estranhei a demora na tramitação do recurso e seu envio ao Superior Tribunal de Justiça – STJ. Depois, entendi a razão dessa lentidão: não foi por causa da pandemia, e sim por causa das contrarrazões recursais do Ministério Público estadual.
Como diria Galvão Bueno (narrador esportivo da Globo), “pode isso, Arnaldo?”
Certamente que, se fosse conhecedor do ordenamento jurídico e das normas que disciplinam o RHC, Arnaldo Cézar Coelho diria: “Não, Galvão! Não pode. Não cabem contrarrazões do Ministério Público no RHC”.
Sabendo disso, eu fiz esta petição nos autos do recurso, a qual compartilho com os colegas, pois acredito que já devem ter se deparado – ou irão se deparar – com situação semelhante. Ei-la:
“EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ
FULANO DE TAL, ora Recorrente, por meio do advogado signatário (poderes nos autos), vêm, perante Vossa Excelência, expor para requererem ao final:
Foi com imensa surpresa que o Recorrente recebeu a juntada aos autos de contrarrazões recursais apresentadas pelo Ministério Público. A razão dessa surpresa é simples, muito simples: NÃO CABEM CONTRARRAZÕES EM RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL INTERPOSTO CONTRA DECISÃO DENEGATÓRIA DE HABEAS CORPUS.
E quem diz isso não é o Recorrente nem seu advogado. Não! Quem o diz a Lei 8.038/1990 (que institui normas procedimentais para os processos que especifica, perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal) e este Tribunal por meio do seu Regimento Interno, mais especificamente no seu art. 271, §§ 2º e 3º, senão vejamos:
“Art. 271. Cabe recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça contra decisão denegatória proferida em habeas corpus, em única ou última instância, e em Mandados de Segurança, em única instância.
[…]
§ 2º Em se tratando de decisão denegatória de mandado de segurança, interposto o recurso, será aberta vista ao recorrido e litisconsortes passivos para, no prazo de 15 (quinze) dias, apresentarem contrarrazões, em seguida, à Procuradoria-Geral de Justiça, para parecer.§ 3º Colhido o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, na hipótese do parágrafo anterior; ou juntada aos autos a petição de recurso, quando se tratar de decisão denegatória de habeas corpus, será o recurso remetidos ao Superior Tribunal de Justiça, independente de juízo de admissibilidade” (grifo nosso).
Como se vê, somente cabem contra razões em recurso ordinário quando se tratar de mandado de segurança; se for caso de HC denegado, após a juntada da petição do recurso, este deve ser encaminhado ao STJ.
Aliás, isso já está pacificado no âmbito do próprio STJ. Confira-se:
“PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. CONTRARRAZÕES PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. DESNECESSIDADE. NULIDADE POR AUSÊNCIA DE NOMEAÇÃO DE DEFENSOR DATIVO PARA APRESENTAÇÃO DE RESPOSTA À ACUSAÇÃO ESCRITA E COLIDÊNCIA DE DEFESAS. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RESPOSTA À ACUSAÇÃO OFERECIDA ORALMENTE EM AUDIÊNCIA. MERA IRREGULARIDADE. ARTIGO 563 DO CPP. SUBMISSÃO DO RÉU A JULGAMENTO. EXCESSO DE PRAZO. INEXISTÊNCIA. DEMORA IMPUTÁVEL À DEFESA. RECURSO EM HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. Desnecessária a apresentação de contrarrazões ao recurso ordinário em habeas corpus diante da ausência de previsão legal no ordenamento jurídico. Precedentes. […] (STJ, RHC 72379/RJ, 5ª Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 17/11/2016, DJe 28/11/2016, grifo nosso).”
“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ASSOCIAÇÃO PARA O NARCOTRÁFICO INTERNACIONAL. CONTRARRAZÕES AO RECLAMO. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. EXISTÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO QUE OFICIA PERANTE ESTA CORTE SUPERIOR DE JUSTIÇA.
Não há no ordenamento jurídico vigente a previsão de oferecimento de contrarrazões e de realização de juízo de admissibilidade em recurso ordinário em habeas corpus, já que ao disciplinar o seu procedimento a Lei 8.038/1990 não fez qualquer menção à necessidade de apresentação da referida peça processual ou de prolação de decisão admitindo o inconformismo, explicitando no seu artigo 31 que, após a interposição da insurgência, o feito será distribuído e o órgão ministerial que atua perante o Tribunal ad quem terá vista dos autos pelo prazo de dois dias. Precedente. […] (STJ, RHC 65700/MA, 5ª Turma, Rel. Min. JORGE MUSSI, j. 11/10/2016, DJe 26/10;2016, grifo nosso).”
A razão para a ausência de previsão legal e regimental de contrarrazões recursais em recurso ordinário em HC consiste na celeridade processual. Quer-se imprimir ao RHC a mesma celeridade do HC. Assim, o colhimento de contrarrazões recursais, além de ilegal, só atrasa a tramitação do recurso e sua remessa ao STJ.
Frise-se que foi exatamente para fugir da burocrática tramitação do RHC que muitos advogados – com a aquiescência dos Tribunais Superiores – optaram por manusear o HC substitutivo desse recurso.
Sendo esse o contexto desta petição, o Recorrente postula:
1. O desentranhamento das contrarrazões recursais do Ministério Público; e
2. Seja orientado à Secretaria da Seção de Direito Penal que, em casos de RHC, proceda da forma prevista no precitado art. 271 e seus parágrafos, encaminhando o recurso ao STJ sem necessidade de colher contrarrazões recursais e sem juízo de admissibilidade.
São os termos em que
Pede deferimento.
Belém, … de julho de….
César Ramos da Costa, OAB/PA 11.021”
Em resposta a essa petição, o TJPA passou a dispensar as contrarrazões do Ministério Público no RHC.
Por César Ramos, advogado criminalista e membro-fundador do Instituto Paraense do Direito de Defesa – IPDD